O desafio de (re)contar histórias reais

julho 03, 2019


Contar histórias é algo que sempre me atraiu. Quando criança, assistia às novelas e lia os livros e minha mente fervia, ansiosa por criar suas próprias aventuras. Eu perdi a conta de quantos projetos de novela inventei ou de quantos contos já saí rabiscando na parte interna das capas dos livros didáticos. Os adultos me faziam aquela pergunta nada criativa e eu sempre respondia: quero ser escritor. Por isso, mais tarde, decidi cursar Jornalismo. Na graduação, fui apresentado ao Jornalismo Literário, gênero que foge das narrativas tradicionais da área e busca construir histórias mais fluidas, com o potencial de envolver prazerosamente o leitor. A base, porém, é a mesma de todo texto jornalístico: a vida real. E, para escrever “Vazio das Águas: vidas submersas, memórias em resistência”, livro-reportagem que nasceu como Trabalho de Conclusão de Curso e hoje ganha o mundo, precisei ter em mente de onde eu parti e sobre quem estava falando.

Imagina se você morasse às margens do rio São Francisco, onde sempre tem água, sua família se alimenta de suas próprias plantações e criações e seus vizinhos são parentes ou pessoas muito amigas? O que sentiria se tivesse que se mudar às pressas, se separar dos familiares e viver em um lugar seco, sem alternativas efetivas de subsistência e sem infraestrutura? Essas foram as histórias que abordei em “Vazio das Águas”: as narrativas de vida de moradores de uma comunidade do interior de Sento-Sé, no norte da Bahia, relocados para a região devido à construção da Barragem de Sobradinho-BA.

Optei por dividir os capítulos em cenas, protagonizadas alternadamente pelos oito personagens da comunidade com os quais conversei. Nem sempre transferi literalmente seus relatos conforme expressos nas entrevistas; recontei-os, utilizando a Literatura e seu potencial para transformar lembranças, muitas vezes tristes, em poesia. Mas as palavras, os gestos, os modos de falar e de enxergar o mundo, os relacionamentos, os sentimentos: tudo busquei entender e preservar. Porque a narrativa não precisa apenas ser agradável aos estranhos que a acessem, ela deve ser reconhecida pelas pessoas que se permitiram ser narradas.

Escrever sobre o outro é colocar-me em seu lugar para não me afastar de quem ele é. É olhar para situações de injustiça, como a dos atingidos por barragens, e pensar: “e se fosse eu a viver aquilo?”. E, depois, usar as palavras certas, para que as linhas que eu traçar no papel ou digitar no computador ajudem a ressignificar, e não a reviver, a dor dos caminhos percorridos por aqueles de quem eu falo. Mais do que isso, minhas histórias devem ser um motor de luta e esperança para essas pessoas, e de empatia para quem vier a conhecê-las.

Este, portanto, foi o meu maior aprendizado em “Vazio das Águas”: as histórias que conto não são minhas, porém está nas minhas mãos a oportunidade e a permissão para levá-las ao mundo. Portanto, não posso desperdiçá-las com um trabalho descuidado: preciso esculpi-las em sua melhor versão, conforme construída por seus reais autores.

Jornalista formado pela Universidade do Estado da Bahia, em Juazeiro, João Pedro Ramalho Martins sempre desejou trabalhar com o uso sensível e criativo das palavras. Sobradinhense desde o terceiro dia de vida, escreveu este livro numa busca por conhecer as histórias de pessoas afetadas negativamente pela mesma barragem que fez nascer sua cidade.

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