Entrevista: Elcio C. Padovez

agosto 31, 2022

Jornalista e escritor, Elcio C. Padovez possui experiência em jornalismo impresso, online, mídias digitais, rádio, TV e comunicação corporativa. Já participou da cobertura de três Copas do Mundo e publicou dois livros. Sua mais nova obra, O resumo da ópera, é o maior levantamento já feito sobre a vida do tenor Jean William, que já cantou para presidentes, príncipes e até para o papa Francisco.

A obra, da Editora Letramento, conta a história das origens de Jean, desde seu nascimento até os 36 anos de idade, divididos em dois atos e o bis. O livro também reflete a luta antirracista do tenor e narra episódios de dramas, superações, derrotas e vitórias para crescer e vencer pela música.

Segundo o autor Elcio Padovez, foram três anos entre pesquisas, mais de 50 entrevistas e levantamento de documentos para trazer histórias e curiosidades pouco ou nunca reveladas ao grande público.

Então, para entendermos um pouco melhor sobre os desafios vivenciados por Elcio em sua pesquisa e em seu processo de escrita, o convidamos para uma entrevista exclusiva.

Confira:

1. Conte-nos um pouco da sua trajetória. Quando você se descobriu no mundo da escrita até começar a escrever O resumo da ópera?

Sempre fui uma criança muito hiperativa e criativa. Eu pintava desde muito pequeno e gostava do mundo das artes. Gostava muito de ler, e a minha avó materna, Dirce, que foi professora e diretora de escola, sempre me incentivou. Ela dizia que eu um dia seria jornalista. E, graças a Deus, ela está viva ainda e pode acompanhar muito da minha trajetória como jornalista e como artista.

A minha relação com a leitura foi se estendendo pela adolescência. Eu comecei a ler biografias, histórias de vida, e me interessei muito por esse filão, além de romances, histórias reais e de ficção.

E o meu primeiro livro nasce de uma experiência própria, que é o Impéria. Em 2019 lancei o Impéria: a América de pernas abertas. Foi quando resolvi me lançar como escritor e, a partir daí, foi um caminho natural escrever um segundo livro.

Eu comecei a escrever O resumo da ópera em 2019 para um concurso literário e fiquei três anos trabalhando na obra, exercitando como escrever. Porque escrever uma biografia ou um perfil biográfico realmente é uma coisa bastante desafiadora e eu senti isso ao longo de todo esse percurso.

2. De onde surgiu a ideia e a iniciativa de escrever sobre a história do Jean William? Você e o tenor já se conheciam?

A ideia surgiu para um concurso literário de uma editora de São Paulo. Eu procurei o Jean com a sugestão de registrar sua história em um livro. Nós nos conhecemos há quase 10 anos, viramos amigos e depois passei um período trabalhando com ele como assessor, entre 2015 e 2016. Depois de sua autorização, comecei a escrever rápido e fazer muitas entrevistas.

Mandei o livro para esse concurso e, apesar dele não ter saído como ganhador, vi que ali eu tinha uma história muito poderosa.

As pessoas conhecem muito o Jean do palco, a pessoa que se apresenta, mas não conhecem sua história a fundo. Eu queria contar a trajetória do verdadeiro Jean, aquele que está além dos palcos. Queria explorar não só a história dele, mas a de seus avós e pais, adentrando em suas raízes. 

























(Foto: arquivo pessoal)

3. Como se conta a história da vida de alguém? Qual foi o maior desafio?

Contar a vida de alguém nunca é fácil. O maior desafio, né? Quando você escreve uma biografia efetivamente, ela é sobre pessoas que já morreram. E você trabalha muito com arquivos, com documentos e relatos de fontes.

Quando a pessoa está viva, a gente faz um perfil biográfico, que é um subgênero da biografia. Você escolhe um recorte da vida do biografado, fazendo com que o desafio se torne ainda maior, porque essa pessoa normalmente participa do processo.

Eu quis envolver o Jean desde o início, ele foi muito participativo e eu tive muita sorte de encontrar a maioria das pessoas que deram depoimentos para o livro ainda vivas, como os avós dele.

O maior desafio foi colocar tudo isso dentro de uma narrativa, porque para escrever histórias reais é preciso se ater muito aos fatos. Você não pode inventar coisas e é preciso ser fiel à verdade. Eu combinei com o Jean lá no início que a gente faria um livro muito verdadeiro, um livro que contasse a vida dele sem maquiagem, com seus dramas, suas limitações e suas vitórias,  mostrando o lado bom e ruim.

Fiquei muito feliz com o resultado final, que foi fruto de muito trabalho e esforço. Muitas vezes eu chorei, porque não é fácil escrever um livro, principalmente um livro de não ficção.

4. Escrever a biografia foi um trabalho conjunto? Como foi a dinâmica entre vocês e qual foi a influência do Jean no processo?

O Jean teve um grande papel no livro, eu permiti que ele lesse o arquivo final para poder dar sugestões e apontar possíveis correções de datas e acontecimentos. Mas eu sou o pai do livro.

Nós tivemos longas sessões de entrevistas só nós dois. Além disso,eu também entrevistei mais de 50 pessoas que passaram por sua vida. Cada história que o Jean me contou, eu chequei com pelo menos duas ou três fontes diferentes.

Eu apurei e confrontei as informações, que é um trabalho que um jornalista deve fazer. Na hora de produzir o livro, fui muito firme no propósito de escrever uma história fiel à realidade

5. Como funcionou sua pesquisa e o processo de escrita?

Primeiro, eu me preocupei muito em fazer as entrevistas. Eu dei muita sorte porque eu consegui fazer 80% das entrevistas presenciais, antes da pandemia.

Eu usei muitas técnicas de entrevistas e técnicas de checagem de documentos. Tomei muito cuidado ao filtrar as histórias que realmente aconteceram, porque cada um acaba contando uma versão da coisa. Tentei chegar o mais próximo da verdade dos fatos e, as histórias que eu não consegui confirmar, deixei de fora do livro.

























(Foto: Elcio C. Padovez)

6. Escrever uma biografia definitivamente não deve ser fácil. Quais foram os principais desafios que você enfrentou no percurso?

Talvez o maior desafio se deu ao fato de que, na época, eu ainda estava crescendo como escritor. Mas eu sou uma pessoa que não tem medo de desafios, então eu me cerquei de muito conhecimento para poder fazer esse trabalho.

Eu tive muita sorte que a maioria dos entrevistados foi muito generosa comigo e acabei recebendo ajuda de grandes pessoas. O maior desafio foi transformar todo aquele mundo de informações que eu tinha em um livro de 176 páginas.

Foi desafiador escolher um recorte, que foi até os 36 de vida do Jean, e cobrir as principais histórias desconhecidas pelo público, mantendo a verdade absoluta dos fatos, mas também não deixando de fazer um livro com uma escrita leve.

Este é um livro para apresentar Jean para mais pessoas, porque muita gente ainda não o conhece e muitos ainda precisam conhecer esse grande tenor que nós temos no Brasil.

7. Dentre tantas memórias e momentos vividos, como foi selecionar as histórias que iriam entrar para o livro?  

Eu me pautei pela minha curiosidade de jornalista. Então, eu conto, por exemplo, uma história muito bacana de quando eu descobri que Jean cantou em muitos velórios, que é uma tradição que existia do século XVI a XVIII e que foi se perdendo.

Então, eu procurei mesclar histórias de pessoas que estiveram com Jean e a história do Brasil recente para fazer um livro com estofo, com qualidade e muita poesia. E fui muito criterioso em escolher as histórias que entraram no livro.

(Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress)























8. O que mais te marcou na história de Jean?

A história do Jean é mágica. Ele nasceu de uma família muito pobre. Ele é preto, se descobriu homossexual na adolescência e não tinha muita perspectiva. Mas Deus deu para ele uma voz privilegiada. 

Ele já sofreu racismo, já sofreu homofobia e já sofreu desprezo dentro da classe em que ele trabalha. Mas, ao mesmo tempo, ele tem uma força de viver, de encarar a vida e nos passa essa energia pela arte, de uma forma muito poderosa.

A história dele por si só já me marcou, e eu sou muito grato por tudo que ele tem feito por mim, por toda a generosidade e por confiar em mim. Eu encarei como uma das missões que eu tenho na vida agora. Eu me sinto muito feliz e muito honrado. 

9. Qual importância você atribui para O Resumo da Ópera: como Jean William cresceu e venceu pela música, do ponto de vista social? Como você acha que essa obra pode inspirar outras pessoas?

Uma das bandeiras que eu quero propor com O resumo da ópera é investir em educação e em cultura, o que só tende a trazer benefícios para o nosso país. Temos tanta arte, cultura e gente boa, só precisamos de incentivo e suporte.

Jean foi abraçado, foi investido na educação nele, foi dado o direito de poder lutar por uma vida mais digna e melhor, tanto para ele quanto para sua família, então eu acho que é uma grande mensagem para o nosso país.

Eu acho que essa história é muito inspiradora e eu espero que as pessoas leiam e se inspirem na história do Jean para acreditar na possibilidade de ter acesso a um futuro e um presente melhor. 

Por isso, é muito importante investir na formação das nossas crianças e incentivá-las a ler, a escrever e a ter senso crítico, pois um país que não é crítico consigo mesmo, está condenado a cometer sempre os mesmos erros.

























(Foto: Rodrigo Casamassa)

10. Por fim, quais os projetos que você tem para o futuro? Existe alguma outra história que você gostaria de contar?

Eu tenho muitos projetos a caminho. Eu estou indo agora no final do ano trabalhar in loco na minha quarta Copa do Mundo, que é uma paixão que eu tenho.

Estou indo para o Catar, e de lá eu vou fechar o meu terceiro livro. Eu não posso falar muito, mas é um livro extremamente diferente de O resumo da ópera, pois é uma obra mais voltada para o esporte. 

Vai ser um livro de memórias, de coberturas da Copa do Mundo, mas com uma pegada muito diferente. Estou adiantando aqui, em primeira mão para o Blog da Letramento, algumas coisinhas. É um livro que eu pretendo lançar daqui uns três a quatro anos perto da próxima Copa do Mundo. 

Já estou pensando em novos livros, porque agora com o bichinho da literatura me mordeu, vai ser difícil parar, eu ainda tenho muito chão pela frente, espero escrever aí até meus setenta, oitenta anos.

Além disso, continuo com os meus projetos como jornalista. Eu trabalho com assessoria de imprensa também.

E aí, curtiu a entrevista? Caso você ainda não tenha garantido o seu exemplar, corre em nosso site. E não deixe de nos acompanhar em nossas redes!

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