Maternidade Inclusiva

setembro 30, 2019



Em 2015, Marissa Mayer foi a primeira mulher grávida a ser anunciada CEO de uma grande empresa.  As críticas certamente superaram as celebrações deste anúncio quando, poucas semanas depois, ela anunciou que teria 2 semanas de licença maternidade. 


Os comentários negativos se referiam a ela não ser uma “boa mãe”, pois era um absurdo ela ficar apenas 2 semanas em casa com a criança. Na época, havia um debate acalorado entre um “modelo” Sheryl Sandberg (no qual de certo modo Marissa se enquadraria) e Anne-Marie Slaugther, funcionária de alto escalão do governo Obama que publicou um artigo no The New York Times intitulado: Why Women Still Can’t Have it all, no qual evidenciava a dificuldade (e impossibilidade de certa forma) de ser ter “tudo”. 


Em 2019 Audrey Gelman aparece grávida na capa da INC que trata das 100 mulheres fundadoras de novos (e prósperos) negócios.  De lá para cá, os avanços em relação a mães e mercado de trabalho são pífios (até mesmo questionáveis) e os números nada otimistas. Há muito a ser feito! 


O que os estudos mostram é que, para além da ascensão de uma ou outra mulher a posições de destaque e poder, não estamos avançando realmente e, ao contrário, mulheres mães são as mais demitidas (50% saem do emprego em até 2 anos após o retorno da licença maternidade). O número de mulheres “empreendedoras” é também sintomático nesta direção. Elas empreendem muitas vezes por falta de opção no mercado formal. 


Escrevi um capítulo inteiro sobre isso no meu livro livro, Gestar, Parir e Amar e olhando para esta foto da Audrey não consigo deixar de pensar sobre o simbolismo dela. 


Normalizar e naturalizar a gestação e a maternidade em todos os ambientes é necessário.


Pode parecer pouco: não é!


Pode parecer tudo: também não é!


Mas é importante.


Mulheres engravidam e se tornam mães (por sua vontade ou por acaso). 


Mulheres são mães e são trabalhadoras. 


Nem todas nesta ordem, nem sempre ao mesmo tempo, nem todas serão as duas coisas, mas muitas sim e elas precisam ser vistas! 


Mas existe um cuidado que é muito importante e precisa ser pontuado aqui: quando falamos  da maternidade no ambiente de trabalho, com o intuito de defender a valorização de mães e da maternidade em si, precisamos refletir se não estamos, de alguma forma, ainda que sem querer, reproduzindo a ideia de que este trabalho é uma atribuição feminina, pois isto é ruim, ainda que ele seja visibilizado.


Simplesmente valorizar A maternidade, A mãe e SEU trabalho, reiterando a naturalização de supostas “características femininas”, dizendo que líderes mulheres são mais emotivas e empáticas do que homens, ainda que seja para "nos incluir" em posições de liderança, reforça estereótipos e é a justificativa perfeita para nos manter como principais cuidadoras, não apenas de crianças — em geral precarizadas e invisibilizadas - porque o capitalismo anda de mãos dadas com todas as estruturas opressivas, inclusive a de gênero.


A responsabilidade pelo cuidado é de todos: da mãe, do pai e de toda a sociedade, incluindo empresas e Estado. Isso significa que precisamos sim de reforma trabalhista, mas não para reduzir direitos, e sim de uma que garanta que o investimento está sendo feito da forma correta. Precisamos de licença-paternidade tanto quanto precisamos de licença-maternidade. E também de espaços para que as mães possam amamentar no trabalho ou ordenhar para que outro cuidador ofereça seu leite se assim ela desejar. Precisamos de espaços comunitários que assegurem o cuidado com nossas crianças para que mães e pais possam trabalhar tranquilos.


Principalmente, precisamos parar de reforçar clichês, de romantizar uma relação que, como qualquer outra, é construída no dia a dia e também tem seus altos e baixos. 


É essencial desconstruir o mito do instinto materno, que desonera homens de suas responsabilidades e reforça a desigualdade como sendo algo natural e até “divino”, servindo apenas para julgar as mulheres que agem de uma forma diferente e cujas escolhas não nos contemplam ou, se formos nós essas mulheres, para viver fugindo da culpa que em alguma medida sempre vem nos assolar.


Não é sobre valorizar a maternidade, é sobre democratizar o cuidado!


E, por tudo isso, que mais revolucionário ainda é trazer os homens à sua responsabilidade como pais sem o passe livre para ascender profissionalmente como se filhos não existissem, sendo apenas um belo adereço para seus corner offices. 


Encarar a maternidade de forma inclusiva e igualitária para mulheres significa, necessariamente, encarar também a paternidade.

Tayná Leite é autora do livro Gestar, Parir e Amar: Não é só começar. É coach e mentora de mulheres, palestrante, advogada, blogueira, escritora, mestranda em Sociologia. Também é viciada em café e em problematização, mãe do Cacá e feminista militante. Ama estar entre mulheres e acredita que é por meio delas que o mundo se tornará um lugar melhor. Colunista do HuffPost Brasil e da revista Azmina desde 2016, escreve sobre maternidade, política e feminismo.

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