TURMA DO EX-: Um grupo de jornalistas que desafiaram a censura

dezembro 19, 2019

O interesse pelo período da ditadura militar brasileira me acompanha desde a adolescência. Então, optei pela graduação em História e, durante o curso, dediquei-me com afinco ao estudo do período da ditadura militar. Já para minha pesquisa de mestrado resolvi me aprofundar na história de Geraldo Vandré, cujo questionamento inicial era se a imprensa teria contribuído para a construção do enigma sobre o compositor. 

Ao investigar a mídia impressa, me deparei com o jornal Ex- e através dele com a trajetória de resistência da Turma do Ex-, um grupo de jornalistas paulistas que, cerceados pela a repressão militar, saíram da revista Realidade através de uma demissão coletiva e, em 1970, partiram para a produção de publicações alternativas como O Bondinho, Grilo e Ex-. Nesta última, publicaram a primeira matéria sobre Vandré depois de sua volta do exílio e a única reportagem, escrita no calor dos acontecimentos, a respeito da morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em outubro de 1975, o que acabou provocando o fechamento do periódico.

 Mas, essas não foram as únicas publicações do grupo, em meu trabalho de detetive vir a saber da existência de Novidades Fotóptica, Revista de Fotografia, Grilo, Foto-Choq e Jornalivro. Mesmo depois do fechamento do jornal Ex, ainda me deparei com outras publicações de oposição ao regime, criadas ainda durante a vigência do governo militar e que contavam com participantes da Turma do Ex-: a série livro-reportagem Extra – Realidade Brasileira e a revista Repórter Três. Maior surpresa me causoudescobrir que em 1997, Sérgio de Souza, um dos fundadores do grupo e do jornal Ex-lançou arevista Caros Amigos.Por ter sido publicada após o fim da ditadura, pode serconsiderada como importante herança dessa trajetória de resistência ao regime militar.

Toda essa história foi estudo de uma tese de doutorado, agora transformada neste livro, que analisa os oito anos de guerrilha jornalística, bem como o legado desse grupo. Acredito que essa obra podedemonstrar a importância das mídias alternativas, pois essas, diferentes das tradicionais, podem oferecer uma visão heterogênea da sociedade, uma vez que não estão atreladas ao Estado e/ou aos interesses da classe dominante. Outra reflexão sugerida pelo textodiz respeito arelação entre as mudanças ocorridas na imprensa daquela época e o tipo de jornalismo que vem predominando no país. 

Como vimos, a história da Turma do Ex- ilustra os conflitos vividos pelos jornalistas engajados daquela época. A marginalização à qual foram submetidos, principalmente após o AI-5, que trouxe como consequência a ausência de importantes jornalistas na imprensa tradicional. Concomitante a isso, a dinâmica do jornalismo foi mudando, foi se industrializando e se transformando em conglomerados empresariais. Além disso, a censura prévia imposta, em 1970, pelos órgãos da ditadura militar acabou em 1978, mas deixou como herança a autocensura, um fenômeno que perdura até hoje e que é ainda mais difícil de ser combatido.

Tudo isso cooperou para que a tradicional imprensa brasileira de hoje seja considerada seletiva, padronizada, noticiosa e uma das responsáveis pela banalização de alguns aspectos da sociedade, como a violência e a corrupção, por exemplo. Acredito que este estudo pode ainda incrementar a análise social do período em que vigorou a ditadura militar brasileira. 

Como será visto, os periódicos da Turma do Ex-, por não estarem sujeitos à censura prévia, como muitos jornais da época, deixaram registrados muitos acontecimentos e arbitrariedades cometidas pelo governo militar. Então, este estudo representa, também, uma forma de denúncia, ao trazer à tona fatos ocultados pelo governo ditatorial. Rememorar esse período da História do Brasil é tarefa árdua, porém, extremamente necessária para que afastemos o fantasma da ditadura de nossa sociedade.


Dalva Silveira nasceu em Belo Horizonte (MG) em 1967. Graduou-se em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e concluiu sua especialização em Ensino Técnico pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET–MG). Defendeu o mestrado e o doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC–SP). Atualmente, é funcionária do CEFET–MG e foi professora da Rede Particular de Ensino de Belo Horizonte (MG). É autora de Geraldo Vandré: a vida não se resume em festivais (Fino Traço, 2011), além de artigos e outros livros em coautoria.



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