Conheça a coleção Alteria

janeiro 28, 2021




Conheça Alteria! A nova coleção da Letramento! Marcella Rosa, autora do “Guia Prático do Feminismo” e do livro “Jogadas na Rede”  é a organizadora desse projeto incrível que vem com o objetivo de publicar mulheres com obras cheias de sensibilidade. 


Mas de onde vem esse nome Alteria? Qual o significado por trás dessa coleção? Convidamos a Marcella para escrever um pequeno artigo para contar tudinho para vocês. 


Confere só:


A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem, 

e não este em relação a ela (...) 

O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro. 

Simone de Beauvoir


Por Marcella Rosa

O principal pilar filosófico de Beauvoir foi compreender de que maneira o patriarcado construiu uma diferenciação capaz de subjugar tudo aqui que não é o masculino dominante a um espectro de submissão. A observação fundamental feita pela autora foi a constatação da necessidade de um outro que se opõe ao masculino para defini-lo. Em latim, esse termo é alter e o princípio da diferença, alteridade.


Em termos práticos, a alteridade é o que faz com que o outro seja outro. É a característica do outro em sê-lo. Opõe-se à identidade (Idem). É um quase um pré-requisito da compreensão humana: o outro dá a dimensão do que é o ‘eu’. Por contraste, compreendo-me. É de se pressupor, então, que qualquer um pode ser alteridade a depender do ponto de vista. Sim e não.


Sim, para a concepção filosófica: ou seja, no limite, quaisquer três pessoas juntas podem reconhecer-se como ‘nós’ e contrastar com ‘eles’. Acontece que a história da humanidade (ou hominidade, que eu prefiro), restringiu seu olhar para uma única história, contada sempre pela mesma voz.


Daí que a alteridade passou a ser sempre a mesma coisa: o que não era homem. O que fugia do campo do viril - porque também o patriarcado é sobre manutenção da opressão a tudo aquilo que é do feminino. Se a arma de opressão escolhida pelos homens foi a exaltação da alteridade; a nossa será a da alteria. Um grito de louca!


Em uma obra fundamental da crítica literária feminista, The Madwoman in the Attic (A louca no sótão, livre tradução; sem tradução para o português)[1], Sandra Gilbert e Susan Gubar analisam a literatura vitoriana na perspectiva das condições de produção disponíveis para as autoras: enclausuradas, silenciadas, escondidas e sendo lidas como loucas.


Um dos pontos chaves da análise das críticas diz respeito à maneira como as mulheres eram silenciadas em sua escrita pelo que chamaram de “ansiedade de autoria”. Essa ansiedade, de acordo com as autoras, era resultado da falta de modelos femininos, que fazia com que as mulheres acabassem criando um subtexto feminista escondido dentro de uma narrativa mais convencional, mais aceitável socialmente, com aspecto masculino e considerado canônico.


Embora esses modelos femininos existissem, eles foram amplamente apagados e o vácuo deixado por esse silêncio deixa marcas até hoje: inseguras, desacreditadas, copiadas, interrompidas, ainda sim, produzindo. 


Uma crítica literária que se imagina neutra, ao invés de masculina; um trabalho científico que se julga neutro, ao invés de masculino. O neutro é uma falácia. Um devaneio. Gosto da imagem de Gilbert e Gubar: escritora, absolutamente enlouquecida, no sótão, desejando ser lida. Estar no mundo para a partilha é tão feminino que parece fácil entender as mordaças.


Se a literatura, como o professor Antonio Candido ensinou, é um direito humano, incluímos no rol de todas as violências de gênero cometidas mais esta: privar gerações de mulheres de produzir significado via literatura. É do desejo de restituir a mulher à literatura que se propõe essa coleção.


É preciso ter sido forjada como eterno outro (outra) para compreender como o neutro-masculino silencia sistematicamente.  Para nós, a autoria é feminina. A alteria é o nosso manifesto: assumindo que somos outras na medida que opostas ao neutro-masculino, para combatê-lo enquanto sistema único de significação. Somos novas possibilidades de eu líricas, críticas, narradoras. Uma alteria jamais será só uma autoria. 



[1] A obra não foi traduzida e a edição original é de 1979, da Yale University Press.



E, aí? Curtiu a novidade? Em breve vamos anunciar o lançamento da primeira obra da coleção. Já podemos adiantar que a autora é fotografa e produz conteúdo nas redes sociais. Sem contar que ela faz as legendas mais lindas do mundo... Palpites? Deixa nos comentários <3




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