Entrevista: Raissa Pena

outubro 27, 2021


O financiamento coletivo ou crowdfunding está se tornando uma prática cada vez mais comum no mercado editorial. Através dele, diversas editoras e autores independentes estão encontrando uma alternativa acessível e segura para a publicação de suas obras.

O modelo de negócio basicamente consiste na prática de orçar antecipadamente um valor de produção para determinado produto e oferecê-lo com uma meta de arrecadação para os clientes, convocando-os a ajudarem a dar vida a ele.

Quando falamos de crowdfunding, todos os custos envolvendo produção, projeto gráfico, marketing, impressão, transporte e armazenamento da obra, normalmente são garantidos pelos clientes antes mesmo do processo produtivo ser iniciado.

Isso faz com que os autores consigam divulgar e publicar seus livros sem necessitarem arcar com grandes quantias. Porém, não são apenas eles que saem beneficiados: os doadores também recebem recompensas, de acordo com o valor doado.

Por incrível que pareça, o financiamento coletivo de livros não é considerado uma novidade no Brasil. Nos anos 1970 e 1980, autores independentes já vendiam antecipadamente seus livros para os leitores como uma forma de financiar suas obras.

E hoje, com o advento da internet e das redes sociais, essa prática tornou-se ainda mais acessível!

Mas por se tratar de algo novo, muitas pessoas o consideram complexo e nutrem dúvidas acerca de como iniciar um projeto, qual plataforma utilizar e como ela funciona.

Portanto, pensando em esclarecer essas dúvidas, hoje convidamos a jornalista e diretora de Publicações do Catarse (maior plataforma de crowdfunding do Brasil), Raíssa Pena para explicar tudo aquilo que você precisa saber para começar um projeto e se adentrar nesse mercado tão promissor.

Confira a seguir:

1. Raíssa, temos muitos leitores que ainda não sabem o que é o crowdfunding. Como você poderia definir esse modelo? Qual seria a diferença entre esse tipo de financiamento coletivo e a tradicional vaquinha?

No Brasil, geralmente usamos o termo "vaquinha" quando as pessoas se juntam para bancar um projeto com forte cunho social ou pessoal, por exemplo: financiar um tratamento odontológico para uma pessoa que não tem condições financeiras de fazer isso sozinha.

No Catarse, a gente também abriga campanhas sociais e pessoais, mas somos especialistas em financiamento coletivo (ou crowdfunding) de projetos criativos: uma modalidade de crowdfunding em que criadores (autores, músicos, editoras etc) buscam viabilizar projetos financeiramente com o apoio de outras pessoas e, como recompensa, oferecem o resultado daquela produção criativa (um exemplar do livro, o ingresso para a estreia do filme ou da peça de teatro, um CD ou o link para a reprodução de um álbum musical etc).

2. Você saberia nos contar o que motivou o surgimento da plataforma Catarse? Nos conte um pouquinho sobre a história de vocês.

O Catarse foi fundado em 2011 (este ano estamos celebrando 10 anos!) justamente para tentar resolver o problema de ver gente brilhante com projetos engavetados. É muito comum ver artistas e profissionais criativos com projetos guardados, que nunca encontraram tempo ou dinheiro para vir ao mundo. E no Brasil esse contexto é ainda mais acentuado porque, infelizmente, a produção artística e cultural é cada vez menos valorizada e incentivada pelas esferas públicas.

Por isso também o Catarse foi evoluindo e se tornando esse espaço em que os artistas e criadores conseguem, não só movimentar grana para financiar seus projetos, mas construir e nutrir aos pouquinhos, campanha a campanha, uma comunidade de fãs ao redor do trabalho. 

Isso é muito poderoso e, muitas vezes, é o que permite que uma autora, um quadrinista ou uma editora vivam plenamente do que produzem.

A gente brinca que nosso sonho é que cada vez mais artistas e criadores tenham segurança e condições para pagar as contas com o próprio trabalho criativo (e dependam cada vez menos de empregos que eles não amem).

3. Como você foi parar no Catarse? Qual foi a sua trajetória até começar a trabalhar com financiamento coletivo?

Em 2016, eu fiz uma campanha para financiar meu livro no Catarse. Eu sou jornalista e, junto com dois amigos de Belo Horizonte (a Paola Carvalho e o Ivan Araújo), fizemos uma espécie de grande reportagem com um inventário das casas antigas da cidade. Antes disso eu só tinha apoiado o CD da banda de uma amiga minha em outra plataforma e não conhecia bem o crowdfunding

Depois de arrecadar a grana suficiente para bancar 1500 exemplares do nosso livro, pagar todos os profissionais envolvidos e ver a alegria dos nossos leitores (que eram um público bem específico de moradores de BH e arquitetos e designers), eu fiquei apaixonada pelas possibilidades do crowdfunding.

No ano seguinte, 2017, o Catarse começou a notar que o segmento editorial (quadrinhos, livros, jornalismo) estava começando a crescer e precisavam de alguém para entender, acompanhar e fomentar esse movimento. Aí deu um super match e, desde maio de 2017, estou por aqui, ajudando autores, artistas, editoras e estúdios a ganhar grana pelos próprios trabalhos e nutrir as próprias comunidades.



4. Sabemos que o mercado do livro está em constante mutação. Principalmente agora, que estamos enfrentando uma crise que envolve o antigo modelo de publicação de livros e as livrarias. Como você avalia que o financiamento coletivo pode ajudar autores, editoras e livrarias?

Eu acredito que a relação de colaboração entre crowdfunding e mercado editorial está só começando. O financiamento coletivo tem aberto novos caminhos para que autores, editores, produtores e criadores de conteúdo, até mesmo as livrarias, consigam monetizar o seu trabalho e distribuir suas publicações. 

Isso acontece porque a decisão sobre quais produtos culturais merecem ser financiados não é mais exclusiva de um grupo pequeno de pessoas (curadores de editais e leis de incentivo, investidores e decisores unicamente brancos, ricos e homens), mas passou a ser possível para criadores e fãs de todo o Brasil, com as mais diversas origens e perspectivas de vida.

O modelo já se provou sustentável para diversos agentes do livro de todas as regiões do país, que conseguiram captar recursos para fazer a publicação de seus livros de estreia, expandir o catálogo e, até mesmo, encontrar alternativas para manter a empresa funcionando durante os períodos mais críticos da pandemia, por meio de clubes de assinatura e campanhas pontuais.

Em 2018, ano em que a crise editorial apertou no Brasil, R$ 8,8 milhões de reais haviam sido captados no Catarse somente para projetos de publicações. Em 2020, mesmo com o baque da pandemia para todos, este número passou para R$14,3 milhões - um aumento de mais de 60%, incentivados não apenas pela ascensão de autores e empresas que já utilizavam o modelo, como também pela entrada de novos criadores e organizações de diversos portes no financiamento coletivo.

5. Você saberia dizer quais são os principais tipos de projeto inscritos no Catarse? E os que costumam ter um bom desempenho de captação?

Hoje abrigamos projetos de 18 categorias, entre Dança, Teatro, Educação e Tecnologia, Arquitetura etc. Mas a maioria das campanhas se divide entre as categorias de Literatura, Quadrinhos, Jogos, Jornalismo e Socioambientais.

Neste link você consegue ver, na nossa retrospectiva de 2020, os números movimentados por cada categoria e algumas campanhas em destaque, que ilustram muito bem esse movimento de autores e editoras fazendo projetos para e com os leitores.

6. Dá para fazer diversos tipos de financiamento no Catarse, certo? Quais são os principais?

Dá sim. Hoje temos 3 modalidades de campanhas: Tudo ou Nada, Flex e Assinaturas. As modalidades que chamamos de pontuais são as que têm começo-meio-fim: a Tudo-Ou-Nada, em que você precisa atingir os 100% da meta estabelecida; e Flex, na qual você recebe o valor captado independente da bater a meta.

A primeira é altamente recomendada para aqueles projetos que só conseguirão sair do papel se o criador obtiver o valor mínimo para sua produção e não possuir outras formas de captar este investimento.

A segunda funciona de forma muito semelhante a uma pré-venda; geralmente são projetos que já estão em produção ou praticamente finalizados, e o criador utiliza a plataforma para captar os últimos recursos, recuperar o investimento ou mesmo para gerar um buzz no lançamento.

Mas estou gostando de acompanhar o crescimento da adoção da modalidade de Assinaturas pelos agentes do livro, também chamada de campanha recorrente. Estamos vivendo (e pagando, rs) a ascensão dos serviços de streaming, com a Netflix, Amazon Prime, Spotify e outros tipos de serviços por assinaturas, como os clubes de vinhos, de produtos de beleza e, claro, de livros.

Com isso, temos recebido no Catarse autores, jornalistas, ilustradores e editoras que desenvolveram projetos de Assinaturas:

  • Os autores criam comunidades para fidelizar os leitores e captar recursos que os permitam continuar escrevendo e tendo parte de sua renda vinda dessa produção literária; 
  • editoras lançaram por aqui clubes do livro físico e digital, criando uma cadeia mensal de produção e venda;
  •  influenciadores projetaram comunidades exclusivas para sua audiência mais cativa e criaram mecanismos de monetização para sua produção de conteúdo na internet…
Os exemplos são muitos e acredito que vão só crescer no próximo ano.



7. Você teria uma lista de projetos favoritos? Achamos que poderia ser legal compartilhar alguns financiamentos espelho com nossos leitores.

Com certeza vou pensar em alguém que deveria estar nessa lista só depois que ela for publicada, rs, mas tem sim várias campanhas que amo e que são ótimos exemplos de apresentação clara de projeto, design caprichado, recompensas pensadas com muita diligência para agradar aos leitores e textos certeiros. Aí vão:

O Roubo, da autora Paola Aleksandra

Clube da Caixa Preta, do autor e editor Stefano Volp

2001: Uma Odisseia no Espaço (Editora Aleph)

Arlindo (Ilustralu/Cia das Letras)

Série Casacadabra (Editora Pistache), 2016-2018

Lançamento selo Balãozinho (Balão Editorial), 2021

Olívia Foi pra Lua (Selo Beleléu), 2021

HQ Isolamento

HQ Alienaldo

Assinaturas do Felipe Castilho

Os contos de fadas da Editora Wish

Confinada (Leandro Assis, Triscila Oliveira/Todavia)

8. Quais você acredita que sejam os pontos fundamentais de sucesso de uma campanha?

A gente tem uma seção no site do Catarse que se chama Escola do Financiamento Coletivo, onde reunimos ferramentas, tutoriais e dicas para várias etapas da produção de uma campanha (de controle de orçamento a estratégias de divulgação). 

E em 2019 editei um livro da editora Wish, que é uma pérola de bem-feito e se chama Crowd: o guia do financiamento coletivo para autores e editores de livros. Nestes dois espaços, você consegue encontrar orientações muito boas para começar ou se aprimorar. Mas na minha visão existem dois fatores fundamentais que realmente mexem a agulha entre a campanha ser bem sucedida ou não: demanda e planejamento.

Com demanda, eu quero dizer que é muito importante o autor ou editora validar o quanto antes se os leitores querem aquele livro, se estão esperando aquele lançamento, se é um livro, tema ou assunto sobre o qual há escassez no mercado, se e quantas pessoas devem se engajar com as recompensas que você pensou etc. 

Esse termômetro precisa ser levantado antes de botar a campanha no ar porque o desejo dos apoiadores é, na essência, o que faz um projeto de crowdfunding vingar.

E sobre planejamento, eu, como jornalista e profissional do mercado de arte há 11 anos, sinto que demorei muito tempo (e muitos projetos engavetados no meio do caminho) para aprender como planejar uma ideia. Não nos ensinam isso na escola e nem nas universidades de artes e comunicação (de onde vêm a maioria dos criadores de campanhas editoriais).

Então, para fazer uma campanha que, não só bata a meta, mas contribua para a sustentabilidade do seu negócio criativo, tem que fazer as pazes com o Excel. Se você não tem vontade de aprender, ligue para um amigo que tenha. 

Você vai precisar fazer um orçamento diligente para não ter surpresas depois, montar um cronograma com fornecedores que seja realista e cumpra os prazos que você estabeleceu com os apoiadores, criar um calendário de conteúdo para as redes sociais que encante e engaje as pessoas para que, por fim, você consiga entregar, por exemplo, um livro de qualidade na mão de quem apostou no seu trabalho.

Só ter uma ideia boa, infelizmente, não é nem metade do caminho andado. Para financiá-la por meio de crowdfunding, você vai precisar enxergar essa ideia artística também pela perspectiva comercial e, por isso, vai precisar de ferramentas de planejamento, de paciência e de insistência.

9. Por fim, nos conte 3 coisas que você aprendeu trabalhando com financiamento coletivo, que podem acabar servindo de lição para quem está querendo começar agora.

Fazendo o meu próprio projeto e acompanhando mais de 400 projetos criativos de 2017 até hoje, eu aprendi que ideia boa é ideia que é testada, que é posta à prova. Estou aprendendo também a aceitar melhor as críticas e a filtrar quais vão me ajudar a melhorar minha ideia e quais eu posso descartar. 

E, acima de tudo, eu entendi que o financiamento coletivo é capaz de te levar a um estado de alegria e realização muito grande, quando você bate sua meta e consegue construir a sua comunidade, mas também é uma prática que te lembra que falhar faz parte de ser uma pessoa de carne e osso e que o mundo perfeito, sempre positivo, sempre dando certo, não existe.

Para construir uma trajetória na indústria criativa você precisa ter repertório de falhas. São elas (junto com as vitórias, claro) que vão te dar segurança para testar. É muito difícil, principalmente para nós mulheres, estar sempre confiantes e certas da vitória (eu queria muito ter a autoestima dos meus colegas homens!). 

Mas eu penso que pode ser um pouquinho mais fácil se a gente se permitir errar e entender que o contador de arrecadação da campanha não é um termômetro do seu valor enquanto artista, mas daquele projeto específico e do contexto em que ele foi construído.

Você, enquanto autor ou editor, tem direito de testar e botar no mundo a sua ideia (e o financiamento coletivo é uma das maneiras mais seguras financeiramente de fazer esse teste). Se sentir dificuldade, procure um colega que já fez campanha, apoie um projeto para entender a experiência do leitor… E se, mesmo assim, se sentir inseguro, escreve pra mim que a gente conversa.


Raissa Penna é Jornalista, vencedora do Prêmio Publish News Jovens Talentos da Indústria do Livro (2018), finalista do Prêmio Abril de Jornalismo (2013), co-autora do livro Casa e Chão (2016) e editora de Crowd (2020), ambos financiados por crowdfunding.


Curtiu entender um pouco mais sobre esse modelo de vendas? Comenta aqui embaixo o que você achou da entrevista! Se você tem interesse em aprender mais sobre financiamento coletivo, corre aqui nesse artigo.

E não deixe de nos acompanhar em nossas redes, pois em breve traremos uma campanha incrível para vocês! <3

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